De cetro e coroa nas mãos, O Mundo Inteiro Samba rende homenagem aos 115 anos de Henricão.

O bamba da Saracura

Ai, Ai, Ai AiEstá chegando a hora…O dia já vem raiando, meu bemE eu tenho que ir embora

Marchinha “Está chegando a hora” composição de : Henricão e Rubens Campos

Em 1908, nos caminhos de Minas Gerais, nasceu na Cidade de Itapira (SP), Henrique Felipe da Costa, que no futuro se tornaria um dos grandes nomes do cancioneiro popular. Mas para entendermos um pouco mais sobre isso, devemos navegar sobre a sua formação, sua história. 

Nascido em um berço humilde, a música logo o acolheu, seu pai, um excelente violeiro de congada trouxe a singularidade musical para dentro de seu lar, Henrique e seus irmãos os acompanhavam em diversos eventos na região. Pois já na adolescência, Henrique dividia o seu tempo entre a música e o trabalho na Roça de Café e Feijão das “Indústrias Reunidas Francisco Vieira” comandando um trator. 

Apaixonado por futebol, aos 16 anos ele busca a sorte em Rio Claro e se torna goleiro do Velo Clube, joga por um período no clube e se transfere para o Amparo, até que em 1924, Henrique recebe um convite para vir para São Paulo e jogar no Corinthians. Durante as folgas nos treinos do clube do Parque São Jorge, ele se diverte nas rodas de gafieira e aprende a cantar.

Entre os bailes e festejos da noite paulistana, a boêmia o leva a ter contato com um grupo de amigos, no qual ele se dividia entre fazer um bico lavando carros no antigo Vale do Anhangabaú, o futebol e as partidas de futebol de várzea do “Cai-Cai” seguido das animadas cantorias na Rua Rocha, na casa do integrante Loro.

Henrique agora conhecido como Henricão, compõem o grupo que acaba por fundar o “Bloco Carnavalesco Vae-Vae” que se tornaria o Grêmio Recreativo Cultural e Social Escola de Samba Vai-Vai. Em 1928/1929, Henricão compõem o primeiro samba do Cordão, que ficou conhecido como “Saiam na Janela”.

A sua forma diferenciada em cantar e compor seus sambas, rapidamente chegam aos ouvidos do Locutor César Ladeira (1910 – 1969) que o convida a se apresentar na Rádio Record ao lado de uma jovem cantora chamada Risoleta. 

Em 1937, ele forma dupla com Sarita, após participar a convite de Flávio de Carvalho do Clube dos Artistas Modernos (CAM). Nesta nova parceria ele gravou dois maracatus: “Noiô, Noiô”, de Paulo e Sebastião Lopes, e “Chora meu Goguê”, de Benigno Gomes e Franz Ferrer, ambos no mesmo disco pela Odeon.

Eis que chega 1938 e o nosso nobre Henricão embarca rumo ao Rio de Janeiro, seu desejo era participar do Programa do grande Ataulfo Alves e eis que ele consegue participar e de quebra ele conquista a amizade da Cantora Carmem Costa. 

Nasce um hit!

A amizade entre Henricão e Carmem Costa geram dezenas de composições, mas mal eles imaginavam que um dos seus grandes sucessos seria cantado até hoje. Apesar do destaque da canção: “Só Vendo que Beleza” , a música que se eternizou foi “Esta chegando a Hora” adaptada de um clássico mexicano conhecido como: “Cielito lindo”.

O grande detalhe desta faixa é que ela foi gravada, porém registrada em apenas 35 LPs pagos pela dupla de compositores e divulgada nas rádios, a sorte os premiou e a música caiu no gosto popular!

Gravada em parceria com Carmen Costa e composta por Henricão e Rubens Campos, “Está chegando a hora” explodiu no carnaval  de 1942 e o seu sucesso se consolidou nos carnavais posteriores, se transformando em um hit. Décadas e décadas depois, esta composição se transformou em hino nos estádios de futebol e até hoje embala bailes carnavalescos. 

Em 1959, Henricão lançou o 78 rpm “Henricão e suas Pastoras”, com dois sambas: “Vai meu Amor”, de Mário Augusto e Beduíno, e “Resolve na Hora”, parceria com Raul Marques, mas teve pouca repercussão. A ausência de oportunidades e de um novo sucesso faz com que Henricão se afaste dos estúdios de gravação por 21 anos. 

Outros oficios

Já diria o poeta: a vida não pode parar!

Henricão segue sua trajetória no rádio através na lendária Rádio Educadora Paulista (PRA-6), onde se torna um dos primeiros negros a época a estar trabalhando em uma rádio em São Paulo. O seu primeiro trabalho foi no inacabado “It’s All True”, de Orson Welles. Neste momento, um novo universo floreou em seus caminhos.

Eis que em 1953, ele foi contratado pela Companhia Cinematográfica Vera Cruz  e surpreendeu o mundo na bela atuação no clássico filme de Tom Payne – “Sinhá moça”. Daí em diante foram mais de 30 filmes. Como ator de telenovelas, trabalhou em “O Direito de Nascer” em sua segunda versão na TV Tupi em 1978, com adaptação de Teixeira Filho, para o consagrado texto de Félix Caignet, com direção de Antonino Seabra. Entre outras participações especiais na teledramaturgia brasileira.

O Retorno aos estúdios

Em 1980, aos 72 anos com mais de 130 quilos, ele só queria cantar em todos os lugares possíveis, com uma jovialidade infinita, ele repetia esta frase como se fosse seu bordão para o mundo. 

Logo que a gravadora Eldorado do Grupo do jornal O Estado de S.Paulo lança o seu último disco, o mesmo se torna um verdadeiro documento musical sobre o samba brasileiro. Ele tem a liberdade de convidar e construir todo o seu repertório e apesar do temor de ser o último disco de sua vida, o sambista afirma que se fosse ele iria descansar em paz, pois fez da maneira com o qual sempre sonhou. 

Com arranjos do Maestro Edson Alves, e participações especiais, o nobre sambista ficou encantado com toda respeitabilidade que a gravadora o tratou após tantos anos de esquecimento. 

Neste período de esquecimento, o seu chefe Miguel Soller, dono de uma loja de automóveis, lhe dá suporte financeiro para seguir e mesmo com todos os indícios de depressão, Henricão mantinha a esperança de voltar um dia a gravar os seus trabalhos.

“Eu trabalho com viagens, vou fazer minha música chegar nos ouvidos de todos, em cada viagem vou levar meu Lp e levar a todas as rádios que eu puder” (em entrevista ao Estadão em 1980.)


O Primeiro Rei Momo Negro do Carnaval de São Paulo

Em torno do dia 10 de Janeiro de 1984, após uma reunião com amigos da União das Escolas de Samba de São Paulo (UESP), Henricão comentou: “Afinal de contas, por que vocês não me convidam para ser REI MOMO?”

Ele que estava com 76 anos, ainda se encontrava frustrado por não ser lembrado nos 50 anos de sua querida Vai-Vai, em entrevista ao Estadaão em 22 de Fevereiro de 1980 ele cita: “fiquei frustrado por não ser convidado a desfilar pelo Vai-Vai, poxa e nem citaram o meu nome no samba é tão difícil formar uma rima com Henricão?”

Apesar disso, o carinho pela agremiação o alimentava, não era capaz de lhe afastar do amor que mantinha pelo carnaval e ele decide se candidatar a oportunidade de ser Rei Momo, desde 1969, o cargo era vitalício de Irineu Pugliesi, porém ele abdica do trono para aproveitar o festejo, e o então Presidente da Paulistur (Empresa municipal de turismo), Sr. João Dória decide fazer um concurso, em uma antiga casa de shows chamada Garitão. 33 candidatos se inscreveram no concurso.

No dia 07 de Fevereiro de 1984, em frente ao Estádio do Pacaembú, ocorreu a escolha do Rei Momo deste carnaval, com apresentação do disk jóquei Bob Floriano da extinta rádio cidade, o público se dividia entre vaias a políticos como Mario Covas e Franco Montoro e o som das guitarras de um trio elétrico contratado. Quando o samba tomou conta do recinto e os mais de 20 mil foliões presentes puderam sambar, a festa enfim se iniciou. 

Quando o ex- dono do cetro entregou o mesmo a Henricão como vencedor do concurso, a praça Charles Miller veio abaixo, estava eleito o primeiro Rei Momo negro da cidade de São Paulo.

Henricão as lágrimas diz: “Povo Amigo,obrigado a todos que me ajudaram a se eleger, a minha eleição foi direta e espero que para Presidente desta nação também”.

O sambista ganhou pela aclamação do povo do samba, o vice foi o escritor Emil Luiz Gricoletto, o prêmio de Cr $500 mil ajudou o sambista a pagar os dois meses de atrasos de aluguel e tentar sobreviver. 

A sua eleição não foi apenas histórica, mas representava toda uma comunidade que precisava para andar livre nas ruas de São Paulo, pelo menos três documentos no bolso para se considerar presente nesta sociedade. (RG, CIC e Carteira de Trabalho assinada).

As palavras do Jornalista Luiz Izrael Febrot,  no dia 19 de Janeiro de 1984, já celebravam que o povo se sentiria mais representado se caso Henricão fosse eleito, a justiça para aqueles que vivem no mesmo cenário social do Rei Momo seria mais justa, pelo menos no período do tríduo de momo. 

Enfim, Henricão encontra naquele carnaval, a aclamação!

Homônimo ao seu último disco, registrado como “Recomeço”, o Rei encontra nos seus súditos a consagração. Logo ele sai da loja de automóveis e assume posição na Paulistur, auxiliando na contratação de eventos para a cidade. Enfim, o tão esperado “recomeço”!

O último registro fonográfico de Henricão na cidade de Itapira foi em 1983.

Mas após este carnaval, no dia 11 de junho do mesmo ano, o coração alegre e feliz, decidiu parar! Bateu lentamente como um surdo de escola de samba e se silenciou, faleceu Henrique Felipe da Costa, com todas as honrarias de um Rei, um Rei não apenas de um carnaval, mas de uma eternidade!

Com honrarias e presença do então Governador Mário Covas e sua esposa Lila Covas e de diversos representantes do samba, a fala era uníssona: Henricão consolidou o samba paulista!

Na fala do governante: Henricão está no mesmo patamar que Adoniran Barbosa! Mas na verdade, a história não o tratou com tanta igualdade, a sua batalha foi levar a educação às escolas de samba através do projeto Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização) e simplesmente ter o direito de sobreviver, de viver, de comer.

Como disse o Jornalista Nailson Gondim: o Rei não mente, mas se mentisse…

Enquanto sua história musical reluziu, seu bolso, seu cofre e seu trono estavam vazios, sem luxos, sem brilhos e sem louros. O Sorriso farto e alegre escondia a tristeza de uma geladeira vazia, mas o Rei não mente…

O Rei sentia antes do Carnaval, as amarguras da idade, mas dizia a todos que aguentaria todas as noites e eventos e estava pronto para que em 1985 pudesse retornar, mas o rei não mente…

Infelizmente, a sociedade de certa forma o esqueceu, os seus projetos não vingaram como deveria, sua história sim, esta sobreviveu!

E nesses 115 anos de sua história, eu lhe devolvo o seu cetro, o seu trono, sua coroa e lhe coloco assim como você sonhou, em uma redoma de vidro para que seus familiares possam ver que seu sonho não foi em vão!

Viva Henrique Felipe da Costa, Viva o Rei Henricão!

“Rei momo é um palhaço refinado, que canta, dança, sem fazer deboche”
Frase de Henricão!

Conheçam sua página oficial: https://www.facebook.com/henricaoreimomo

Sobre Diney Isidoro

Paulistano, Compositor, Jornalista e Pesquisador, fascinado pelos personagens do samba e suas vertentes, beberica da fonte sagrada das quebradas do mundaréu para contar histórias. Influenciado pela família, fez da música sua morada,fundador de uma Escola de Samba nos campus da USP-SP (Acadêmicos de São Paulo), foi colunista do Portal Srzd e Revista Sampa, Comentarista de Carnaval na Radio Trianon-Srzd, colaborou com o Livro "Protagonismo Negro na Cidade de São Paulo" do escritor Petrônio Domingues e criador do "Prosa & Samba" que busca elucidar as vozes desta cultura popular.

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  1. Agradeço

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